terça-feira, 21 de junho de 2022

Maca 604.1

Está frio, muito frio!
Já sinto gelar por dentro
junto com a angústia,
com o pensar dos tempos
de cada último instante...
Último escovar de cabelos
Última palavra trocada.
Último beijo
que nem possuo mais lembranças.
Outro beijo poderia ter sido o último...

Desfaço as tranças
de dúvidas, paranóias e desejos
num jogo trevoso coletivo,
ardente até atingir a aurora.
Não tenho mais medo!
Perdi a história.
Me perdi na história.
Ganhei a custosa passagem 
desse caminho frio
contra a minha vontade.

Jenny Faulstich 
(Rio de Janeiro, 21/06/2022)

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Pensei em relatar

Pensei em relatar
como eu morri por esses dias.
Seria como uma manchete,
um plantão de más notícias.

Jenny Faulstich 
(Resende, 23/03/2020)

Encostada

Sinto que não faço mais parte
de uma equipe, uma meta, uma rotina,
piro e mudo o foco do embate,
mas o sofrimento nunca que termina.
Apavoro pensar num resgate
que cada vez mais se aproxima.
Não consigo ser, além de saudade,
trabalhadora fora da estatística.

Jenny Faulstich
(Resende, 15/02/2020)

Percurso

Um osso, um sono, 
um sopro, um passo, 
depois outro, devagar, 
bem devagar, a vagar, 
desesperada, tão esperada, 
já decapitada, substituída.

Primeira parte biônica, 
primeira fase, parece um prêmio, 
quase sem acreditar, 
tantos anos, tantas dores, tanto trabalho, 
tanta vontade de caminhar de novo, 
trilhar de novo, viver de novo, ou quase!

Jenny Faulstich 
(Resende, 23/11/2021)

Gato de salto alto

Gato de salto alto
Brincando com sotaque francês 
Gatô de salto altô!
Bulling com o pobre bichano 
deformado numa patinha
marcando o ritmo do caminhar
como se estivesse de sandalinha.

Jenny Faulstich 
(Resende, 12/04/2020)

Adele

Ela me ataca, me agarra, me arranha,
não me deixa sair da cama!
Pede colo, mia, escala, brinca,
enrosca na roupa, na corda, na fronha.
Gata preta bruxa garota,
depois dorme gostosa, 
suspira leve, linda estilosa
e ressurgir ranzinza, quieta, falsa indefesa.

Jenny Faulstich 
(Resende, 24/11/2021)

Horta suspensa

O alecrim virou lenda, mas 
a pimenta se mantém acordada!
Hortelã comemora dias seguidos de divina lágrima.
O cheiro que sobe antes da mordida é da Cidreira.
Todas suspensas, moradores ansiosos
e agricultora temerária, distraída e lenta!

Jenny Faulstich 
(Resende, 01/01/2022)

Poço do céu

Cinzas nas águas em que focam minha mente
Oxum me guarda nessa escalada para o céu 
Poço bondoso, lindo, esperançoso
Onde um dia minha pauta guiaria
Receberá solene minha paz eternidade.

Jenny Faulstich 
(Rio de Janeiro, 20/06/2022)

Futuraria

Me vejo no espelho do pretérito
Derretida, flácida, passada
Um futuro tão perto
Um presente advérbio.

Jenny Faulstich 
(Rio de Janeiro, 20/06/2022)

domingo, 19 de junho de 2022

Já morri de tanto jeito

Eu já morri de tanto jeito. 
Eu durmo e sonho tudo de novo.
Tumor, acidente, pandemia,
de amor, tristeza e histeria.

Piadas, filmes e versos ruins
arrebentam ou emendam o fio da meada.
De calor, suor em gotas, abafada,
despertador do vizinho na madrugada.

Lembrança aleatória de lugares, pessoas,
timidez de travar, urinar, desmaiar,
tragédias, ideias, correntes e gafes.
Já morri de vergonha, caminhada e olhares.

Criei monstros desaforos, nóias, expectativas,
derrocadas com prévia certeza regra,
desde amizades com o sexo oposto.
Já morri humilhada, com solidão e desgosto.

Jenny Faulstich 
(Resende, 09/09/2020)

Combinada chance

Um dia inteiro trabalhada no ciúme,
até refletir que também sentia inveja.
Inveja daquela que por ele foi beijada, 
que é sempre por todos desejada.
E eu só queria uma chance,
uma já combinada chance,
que se perdeu na madrugada.

Jenny Faulstich 
(Resende, 14/06/2022)

"Se organizar direitinho"

Não estou preparada de fato
pra mudança, pro amor, pra vida!
Eu que sempre estive atrasada,
desisto antes de tentar a conquista.
"Se organizar direitinho..."
não passa de uma utopia!

Jenny Faulstich 
(Rio de Janeiro, 19/06/2022)

Neblina

A neblina vem como uma saudade.
Me cega, me congela, me entristece.
Imagino prazeres nos detalhes,
me iludindo num toque além realidade.

Jenny Faulstich 
(Resende, 18/05/2022)

Bisturi

Voltar pra mim
Dias assim
Menos comprimidos
Destruindo meus rins.

Arte de encontros
Não acontece pra mim
Fatia, instala, encaixa,
Espera sem fim.

Jenny Faulstich 
(Resende, 28/12/2021)

Não sou mais o que me alimentava

Não sou mais o que me alimentava.
A mente ordena, o corpo não responde
somente resmunga e se arrasta.
Água que falta, revolta que sobra,
o processo é lento, a temperatura alta,
passo mal na fila de espera pra vida.

Jenny Faulstich 
(Resende, 07/12/2022)

segunda-feira, 13 de junho de 2022

Otária

Comprada com uma garrafa
Uma promessa descumprida
Um belo dia que desabafa
Ilusão otária daquela bebida.

Jenny Faulstich
(Resende, 12/06/2022)

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Passageira esquecida

Horas sozinha, ela foi esquecida!
Tetra paralisia, tristeza e agonia!
Chorei como se comigo fosse o acontecido 
Mesmo que eu só saiba por um pouco
Do que seja depender de ajuda e cadeira.

Jenny Faulstich 
(Resende, 07/06/2022)


Foto: Reprodução/Twitter Sonia Sodha

domingo, 5 de junho de 2022

Unilateral

Emendo os rolês porque não posso ter
o que muitos conseguem ao meu contorno,
enquanto só observo, desejo e escondo.
Confundo o fio de fato e o quebrado
da última paixão com impossível atual,
interesse unilateral, vácuo pressente
voltar ao zero e recomeço o ciclo natural.

Jenny Faulstich
(Resende, 05/06/2022)